segunda-feira, 29 de junho de 2009

Serviço de Telefonia: Assinatura Básica e Competência

Serviço de Telefonia: Assinatura Básica e Competência - 1


O Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão de Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado da Bahia que reconhecera a ilegalidade da cobrança da tarifa básica de assinatura do serviço de telefonia fixa.

Aplicou-se a orientação firmada no julgamento do RE 571572/BA (DJE de 13.2.2009), que entendera ser da Justiça estadual a competência para processar e julgar a ação, ante a ilegitimidade da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL para compor o pólo passivo da demanda.

A referida decisão ainda reputara cabível o processamento da causa no Juizado Especial, porque a matéria seria exclusivamente de direito, dispensando instrução complexa, e, ainda, que o tema concernente à relação de consumo e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão se revestiria de natureza infraconstitucional, não ensejando a abertura da via extraordinária.

Asseverou-se que, não obstante a distinção entre a questão de fundo apreciada naquela oportunidade (pulsos além da franquia) e o mérito do presente recurso (legalidade da cobrança de assinatura básica mensal), os fundamentos daquele incidiriam, haja vista que a controvérsia dos autos fora estabelecida apenas entre o consumidor e a concessionária de serviço público, não havendo se falar, portanto, em interesse, jurídico ou econômico, da ANATEL.

Reconheceu-se, assim, a competência da Justiça estadual, admitindo-se o processamento da causa no Juizado Especial e assentando-se a natureza infraconstitucional dos temas alusivos à relação de consumo e ao contrato de concessão.

Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Eros Grau que davam provimento ao recurso, por considerar que a causa seria de complexidade maior, tendo em conta questionamento que diria respeito ao conteúdo econômico-financeiro do contrato estabelecido (CF, art. 37, XXI), a ensejar a competência da Justiça comum, propriamente dita, já que se teria de partir para a prova pericial, para saber da importância da parcela em questão no contrato de concessão, incompatível com a atuação dos Juizados Especiais.
RE 567454/BA, rel. Min. Carlos Britto, 17.6.2009. (RE-567454)


Serviço de Telefonia: Assinatura Básica e Inexistência de Repercussão Geral

Tendo em conta o que decidido acima e a fim de evitar recursos impertinentes, o Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem suscitada pelo Min. Cezar Peluso, no sentido de adotar o regime da inexistência de repercussão geral aos processos que envolvam a questão de assinatura básica de telefonia fixa, que tem caráter infraconstitucional.

Vencido o Min. Marco Aurélio que entendia que a observância do pronunciamento do Tribunal seria automática pelos seus integrantes, não dependendo de autorização do Pleno.

RE 567454/BA, rel. Min. Carlos Britto, 18.6.2009. (RE-567454

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Tribunal do Júri: Impugnação dos Quesitos e Preclusão

Por considerar preclusa a matéria, a 1ª Turma do STF indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que rechaçara a tese de nulidade absoluta do processo que condenara paciente pelos delitos de homicídio simples e homicídio qualificado, ambos na forma tentada.

A impetração reiterava a alegação de vício absoluto no julgamento ante o suposto equívoco na formulação de quesito relativo à tese defensiva do privilégio (CP, art. 121, § 1º), o que teria impedido os jurados de votar segundo o seu convencimento.

Aduziu-se, de início, que os quesitos retrataram adequadamente as teses sustentadas tanto pela acusação quanto pela defesa em plenário, na medida em que sua redação não se mostrara contraditória, de difícil compreensão ou desconectada das alegações da acusação ou da defesa.

Registrou-se, neste ponto, que as partes anuíram aos quesitos, conforme descrito na ata de julgamento, incidindo o disposto no art. 571, VIII, do CPP (“Art. 571. As nulidades deverão ser argüidas: ... VIII - as do julgamento em plenário, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de ocorrerem.”).

Esclareceu-se, por outro lado, que o quesito impugnado pela defesa sequer fora objeto de votação pelo Conselho de Sentença, porquanto assentado o seu prejuízo, em função da resposta dada ao quesito imediatamente anterior.

Nesse sentido, frisou-se que, ainda que se reconhecesse vício no quesito contestado, isso em nada alteraria o resultado do julgamento, uma vez que a resposta dada pelos jurados no quesito anterior prejudicaria o exame da tese inscrita no quesito superveniente.

Ressaltou-se, por fim, traçadas tais premissas, a impossibilidade de ser declarada a nulidade do feito sem a demonstração de prejuízo, conforme previsto no art. 563 do CPP (“Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação e para a defesa”).

HC 96469/RJ, rel. Min. Carlos Britto, 9.6.2009. (HC-96469)

Porte Ilegal de Arma e Ausência de Munição

Para a configuração do delito de porte ilegal de arma de fogo é irrelevante o fato de a arma encontrar-se desmuniciada e de o agente não ter a pronta disponibilidade de munição.

Com base nesse entendimento, o STF, através da 1ª Turma desproveu recurso ordinário em habeas corpus interposto por condenado pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo (Lei 9.437/97, art. 10), no qual se alegava a atipicidade do porte de revólver desmuniciado ante a ausência de lesão ao bem jurídico penalmente protegido.

Assentou-se que a objetividade jurídica da norma penal transcende a mera proteção da incolumidade pessoal para alcançar a tutela da liberdade individual e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia.

Enfatizou-se, destarte, que se mostraria irrelevante, no caso, cogitar-se da eficácia da arma para configuração do tipo penal em comento — isto é, se ela estaria, ou não, municiada ou se a munição estaria, ou não, ao alcance das mãos —, porque a hipótese seria de crime de perigo abstrato para cuja caracterização desimporta o resultado concreto da ação.

RHC 90197/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.6.2009. (RHC-90197

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Art. 222-A do CPP: Imprescindibilidade de Cartas Rogatórias e Responsabilidade pelos Custos - 2

No que se refere à parte final do art. 222-A do CPP, que impõe à parte requerente o pagamento dos custos de envio das rogatórias que pretende ver expedidas, observou-se que a regra deveria ser lida em harmonia com o disposto no art. 5º, LXXIV, da CF o qual prevê que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Dessa forma, tratando-se de pessoa dotada de recursos financeiros, dever-se-ia cobrar os serviços de natureza extraordinária, que a seu pedido lhe seriam prestados, como no caso dos custos de expedição de carta rogatória. Caso contrário, tendo em conta o disposto no art. 2º, parágrafo único, da Lei 1.060/50, conceder-se-ia o beneficio da assistência judiciária, inclusive com o custeio, pelo Estado, das despesas relativas à expedição de cartas rogatórias.

Considerou-se que esta seria a solução que melhor conciliaria os princípios constitucionais da inafastabilidade da prestação jurisdicional, da razoável duração do processo e da obrigatoriedade de isenção do pagamento de encargos processuais por aqueles que não disponham de recursos para tanto.

Por fim, destacou-se que o art. 3º, I, da Resolução 389/2009 do Supremo o qual estabelece a isenção de custas e do porte de remessa e retorno dos autos nos processos criminais, salvo os de natureza privada, também não constituiria óbice à aplicação do art. 222-A do CPP, haja vista que este dispositivo, além de estar previsto no próprio CPP, cuidaria especificamente da expedição de cartas rogatórias, devendo ser ele interpretado, portanto, em conformidade com o princípio da especialidade.

Vencidos os Ministros Eros Grau, Celso de Mello e Cezar Peluso, que deferiam a expedição de carta rogatória a todas as testemunhas, fixando o mesmo prazo.
AP 470 QO/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.6.2009. (AP-470)

Art. 222-A do CPP: Imprescindibilidade de Cartas Rogatórias e Responsabilidade pelos Custos - 1

O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada em ação penal — movida pelo Ministério Público Federal contra 40 pessoas acusadas da suposta prática de crimes ligados ao esquema denominado “Mensalão” —, para, por maioria, deferir a expedição de carta rogatória para a oitiva de parte das testemunhas, residentes no exterior, arroladas por réus da citada ação penal, fixando, para o seu cumprimento, prazo de 6 meses a partir da data da expedição.

Entendeu-se que somente em relação a alguns réus teria sido demonstrada a imprescindibilidade da prova oral requerida, conforme exigido pelo art. 222-A do CPP (“As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio.”).

Rejeitou-se, ainda, a alegação de inconstitucionalidade do referido preceito, examinando-a sob dois aspectos. Quanto à exigência da demonstração prévia da imprescindibilidade das cartas rogatórias, aduziu-se tratar-se de norma que, em última análise, teria explicitado diretriz já imposta ao juiz, consistente no dever que lhe incumbe de velar pela rápida solução do litígio, indeferindo as provas inúteis, impertinentes ou protelatórias, nos termos do que prescreve o art. 125, II, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e o art. 400 deste mesmo diploma legal.

Asseverou-se que a aludida norma seria consentânea com o inciso LXXVIII do art. 5º da CF, que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
AP 470 QO/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.6.2009. (AP-470)

ADPF e Princípio da Subsidiariedade - 2

A Min. Ellen Gracie, em seu voto, teceu considerações a respeito da Convenção da Haia e sua aplicação pelo Poder Judiciário brasileiro. Salientou estar-se diante de documento produzido no contexto de negociações multilaterais a que o Brasil, formalmente, teria aderido e ratificado.

Disse que esses documentos, em que se incluem os tratados, as convenções e os acordos, pressupõem o cumprimento de boa-fé pelos Estados signatários (“pacta sunt servanda”) e que a observância dessa prescrição é o que permite a coexistência e a cooperação entre nações soberanas cujos interesses nem sempre coincidem. Observou, também, que os tratados e outros acordos internacionais prevêem, em seu próprio texto, a possibilidade de denúncia, isto é, a retirada de uma das partes contratantes se e quando não mais que lhe convenha permanecer integrada no sistema de reciprocidade ali estabelecido.

Em seguida, asseverou que, atualmente, a Convenção é compromisso internacional do Estado brasileiro em plena vigência e sua observância se impõe. Ressaltou, entretanto, que, apesar dos esforços havidos em esclarecer conteúdo e alcance deste texto, ainda não se faria claro, para a maioria dos aplicadores do Direito, o quê seria o cerne da Convenção.

Aduziu que o compromisso assumido pelos Estados-membros nesse tratado multilateral foi o de estabelecer um regime internacional de cooperação, tanto administrativa, por meio de autoridades centrais, como judicial e que a Convenção estabelece uma regra processual de fixação de competência internacional que em nada colide com as normas brasileiras a respeito, previstas na Lei de Introdução ao Código Civil.

Destacou que, verificando-se, como no caso, que um menor foi retirado de sua residência habitual, sem consentimento de um dos genitores, os Estados-partes definiram que as questões relativas à guarda serão resolvidas pela jurisdição de residência habitual do menor antes da subtração, ou seja, a sua jurisdição natural. Assim, o juiz do país de residência habitual da criança foi o escolhido pelos Estados-membros como o juiz natural para decidir as questões relativas a sua guarda.

Acrescentou que a Convenção também recomenda que a tramitação judicial de tais pedidos se dê com extrema rapidez e em caráter de urgência a fim de causar o menor prejuízo possível ao bem-estar da criança.

No ponto, frisou que tais recomendações não têm sido observadas e que o atraso ou a demora no cumprimento da Convenção por parte das autoridades administrativas e judiciais brasileiras tem gerado uma repercussão negativa no âmbito dos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro, em razão do princípio da reciprocidade que informa o cumprimento dos tratados internacionais.

Considerou que, em virtude do desconhecimento do texto da Convenção, a justiça estadual do Rio de Janeiro acabou por dispor sobre caso que lhe fugiria inteiramente à jurisdição e, que, com isso, e a seqüência de recursos e medidas defensivas, o caso estaria se alongando para além de todo o razoável.

Concluiu que, para o Estado brasileiro, nos temos do compromisso internacional representado pela Convenção, a única decisão válida, porque proferida por juízo competente, será a da jurisdição original do menor, isto é, onde ambos os pais residiam anteriormente ao afastamento com ânimo definitivo e sem autorização paterna.
ADPF 172 Referendo em MC/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 10.6.2009. (ADPF-172)

ADPF e Princípio da Subsidiariedade - 1

Por reputar incidente o princípio da subsidiariedade (Lei 9.882/99, art. 4º, § 1º), o Suprmo Tribunal Federal não conheceu de argüição de descumprimento de preceito fundamental e não referendou liminar nela concedida.

A ADPF fora ajuizada pelo Partido Progressista - PP contra sentença proferida pelo Juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro que determinara a busca e apreensão de menor, de 9 anos de idade, e fixara hora e dia para sua apresentação ao Consulado dos Estados Unidos, na cidade do Rio de Janeiro, para fins de seu retorno a esse país.

Na espécie, o menor, então com 4 anos de idade, fora trazido dos Estados Unidos, onde residia com a família, para o Brasil pela mãe, aqui permanecendo contra a vontade do pai, americano. O argüente alegava que a decisão hostilizada teria interpretado a Convenção da Haia, de 25.10.80, promulgada pelo Decreto Presidencial 3.413/2000, em detrimento de direitos e preceitos fundamentais da criança, bem como em dissonância com o que fora decidido em outros casos concretos.

Quanto ao cabimento da presente ADPF, sustentava tratar-se de ato lesivo do Poder Público, temática que atingiria a gênese da Constituição, e não haver outro meio mais eficaz para sanar a lesividade. No que tange ao mérito, argumentava que houvera aplicação inconstitucional da Convenção da Haia, mitigação de um dos fundamentos da República (CF, art. 1º, III), desconsideração dos objetivos da República (CF, art. 3º, caput e IV); princípios que regem as relações internacionais violados (CF, art. 4º, caput e I e II); direitos fundamentais (CF, art. 5º, caput e X, XI, XV, XLI, XLVII, a, LI, LIV e LV e § 1º); direitos sociais previstos no art. 6º, caput, da CF; e, também, do dever de proteção à família, à criança e ao adolescente (CF, art. 227).

Defendia, por fim, a necessidade de interpretação da Convenção da Haia conforme a Constituição. Asseverou-se existirem outros remédios jurídicos, dotados de eficácia, para sanar a lesividade apontada. Registrou-se, ainda, que, no caso, os interessados na ADPF já teriam impetrado habeas corpus e mandado de segurança, bem como ajuizado ação cautelar, visando reverter a decisão ora impugnada, tendo sido, inclusive, concedida liminar no citado mandado de segurança para que o período de transição — adaptação do menor à nova convivência — ocorra no Brasil e não nos Estados Unidos.

ADPF 172 Referendo em MC/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 10.6.2009. (ADPF-172)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

ADI e Nova Lei de Falências - 1

O Supremo Tribunal Federal, por maioria do seu Plenário, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT contra os artigos 60, parágrafo único, 83, I e IV, c, e 141, II, da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

Sustentava o requerente ofensa aos artigos 1º, III e IV, 6º, 7º, I, e 170, VIII, da CF.

Afastou-se, inicialmente, a alegada inconstitucionalidade formal dos dispositivos legais impugnados, por afronta à reserva constitucional de lei complementar.

Asseverou-se que, nos termos do art. 22, I, da CF, compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho, a qual não está obrigada a utilizar-se de lei complementar para disciplinar a matéria, o que somente é exigido, de acordo com o art. 7º, I, da CF, para regrar a dispensa imotivada, assunto, entretanto, que não constituiria objeto da Lei 11.101/2005.

No ponto, salientou-se que, não obstante a eventual recuperação ou falência de certa empresa ou a venda de seus ativos implique indiretamente a extinção de contratos de trabalho, esse efeito subsidiário nada teria a ver com a despedida arbitrária ou sem justa causa, que decorre sempre de ato volitivo e unilateral do empregador.

ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)

ADI e Nova Lei de Falências - 2

Rejeitou-se, em seguida, a alegação de que os artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da lei em questão seriam inconstitucionais por estabelecerem que o arrematante das empresas em recuperação judicial não responderia pelas obrigações do devedor, em especial as derivadas da legislação do trabalho.

Considerou-se que a Constituição Federal não abrigaria nenhuma regra expressa sobre o eventual direito de cobrança de créditos trabalhistas em face daquele que adquire ativos de empresa em processo de recuperação judicial ou cuja falência tenha sido decretada.

Além disso, não haveria ofensa direta a quaisquer valores implícita ou explicitamente protegidos pela Constituição Federal, podendo ocorrer, no máximo, uma colisão entre diferentes princípios constitucionais, sendo que, ainda assim, não se poderia falar em declaração de invalidade de um deles ou de instituição de uma cláusula de exceção, já que o legislador ordinário teria apenas estabelecido relações de precedência condicionada.

Registrou-se que, no caso, o papel do legislador infraconstitucional teria se restringido a escolher dentre os distintos valores e princípios constitucionais, igualmente aplicáveis à espécie, aqueles que reputara mais idôneos para disciplinar a recuperação judicial e a falência das empresas, de forma a garantir-lhes a maior expansão possível, tendo em conta o contexto fático e jurídico com o que se defrontara.

No ponto, observou-se que a Lei 11.101/2005 resultou de amplo debate com os setores socais diretamente afetados por ela, tendo surgido, também, da necessidade de se preservar o sistema produtivo nacional inserido em uma ordem econômica mundial caracterizada pela concorrência predatória entre seus principais agentes e pela eclosão de crises globais cíclicas altamente desagregadoras.

Destarte, nesse contexto, o legislador teria optado por estabelecer que adquirentes de empresas alienadas judicialmente não assumiriam os débitos trabalhistas, por sucessão, porquanto isso não ensejaria prejuízo aos trabalhadores, já que a exclusão da sucessão tornaria mais interessante a compra da empresa e tenderia a estimular maiores ofertas pelos interessados na aquisição, o que aumentaria a garantia dos trabalhadores, em razão de o valor pago ficar à disposição do juízo da falência e ser utilizado para pagar prioritariamente os créditos trabalhistas.

Além do mais, a venda em bloco da empresa possibilitaria a continuação da atividade empresarial, preservando empregos.

ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)

ADI e Nova Lei de Falências - 3

Aduziu-se que, do ponto de vista teleológico, o diploma em questão teria procurado garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades, permitindo a alienação de seus ativos, considerada, especialmente, a função social que esses complexos patrimoniais exercem, nos termos do disposto no art. 170, III, da CF.

Afirmou-se que o processo falimentar, nele abrangida a recuperação das empresas em dificuldades, visaria, em última análise, saldar o seu passivo por meio da realização do respectivo patrimônio, sendo reunidos todos os credores, segundo uma ordem pré-determinada, em consonância com a natureza do crédito de que são detentores.

Assim, o referido processo teria como escopo, além de contribuir para que a empresa pudesse superar a crise econômica ou financeira, preservar, o máximo possível, os vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guardaria verdadeira relação simbiótica (Lei 11.101/2005, art. 47).

Dessa forma, os artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da lei impugnada seriam constitucionalmente hígidos, mormente porque o legislador, ao concebê-los, teria optado por dar concreção a determinados valores constitucionais, quais sejam, a livre iniciativa e a função social da propriedade em detrimento de outros, com mesma densidade axiológica, por julgá-los mais adequados ao tratamento da matéria.

ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)

ADI e Nova Lei de Falências - 4

Também repeliu-se a apontada inconstitucionalidade do art. 83 da Lei 11.101/2005, por ofensa aos artigos 5º, XXXVI e 7º, IV, da CF, na qualificação, como quirografários, dos créditos trabalhistas derivados da legislação do trabalho que ultrapassem 150 salários mínimos.

Frisou-se não haver perda de direitos por parte dos trabalhadores, haja vista que, independentemente da categoria em que tais créditos fossem classificados, não deixariam de existir nem se tornariam inexigíveis, deixando de ter apenas caráter preferencial.

Observou-se que o estabelecimento de um limite quantitativo para a inserção dos créditos trabalhistas na categoria de preferenciais, do ponto de vista histórico, implicou uma ruptura com a concepção doutrinária que dava suporte ao modelo abrigado no Decreto-lei 7.661/45, que tinha como enfoque principal a proteção do credor e não a preservação da empresa como fonte geradora de bens econômicos e sociais.

Destacou-se, ainda, que a própria legislação internacional de proteção ao trabalhador (Convenção 173 da Organização Internacional do Trabalho - OIT) prevê a possibilidade do estabelecimento de limites legais aos créditos de natureza trabalhista, desde que preservado o mínimo essencial à sobrevivência do empregado.

Considerou-se que, apesar de ainda não ter havido ratificação dessa Convenção pelo Brasil, poder-se-ia afirmar que os limites eleitos para a garantia dos créditos trabalhistas, na hipótese de falência ou recuperação judicial de empresas, teriam respaldo nas normas adotadas no âmbito da OIT.

Nesse sentido, as disposições da Lei 11.101/2005 demonstrariam uma preocupação de caráter distributivo, fixando um critério razoável e proporcional, o mais possível equitativo no que diz respeito ao concurso de credores, ou seja, ao estabelecer um limite máximo para que os créditos trabalhistas tivessem um tratamento preferencial, teria buscado garantir que essa proteção alcançasse o maior número de trabalhadores, isto é, exatamente os que ganham os menores salários.

Concluiu-se que o limite de conversão dos créditos trabalhistas em quirografários, portanto, não afrontaria a Constituição Federal, visto que teria por objetivo a proteção do patrimônio dos trabalhadores, especialmente os mais necessitados do ponto de vista econômico.

Por fim, não se vislumbrou, de igual modo, nenhum vício na fixação do limite dos créditos trabalhistas, para o efeito de classificá-los como quirografários, em salários mínimos, ao fundamento de que o que a Constituição proíbe é a utilização do salário mínimo como indexador de prestações periódicas e não como parâmetro de indenizações ou condenações.

Vencidos os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que julgavam parcialmente procedente o pedido formulado. Precedentes citados: RE 449420/PA (DJU de 14.10.2005); ADI 789/DF (DJU de 19.12.94).


ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934